Conversa com dois jovens mochileiros chilenos no carnaval carioca

por Amelia Gonzalez | categoria Sustentabilidade | tags Chile, Meio Ambiente, poluição, sustentabilidade

Certo dia li uma pesquisa que apontava o Chile como o país mais sustentável da América Latina. E fiquei com essa informação guardada em algum lugar da memória. Tinha um sentimento misto de inveja com curiosidade, afinal, não deve ser motivo de pouco orgulho morar num país que leva esse título.

Bem, o estudo é de 2006, foi feito pela empresa espanhola Management & Excellence e, resumidamente, diz que o Chile fez o melhor em 50 categorias listadas, além de liderar reformas substanciais na governança corporativa. A expectativa de vida do país era a melhor de todos os outros – 77 anos – e a percepção de pobreza e de falta de segurança havia baixado. O país ainda tinha passivos sérios, porém, em emissões de gases do efeito estufa, e os pesquisadores apontavam que essa responsabilidade ficava por conta do fato de Santiago concentrar uma grande parte da população – na época, 4,4 milhões dos  15,6 milhões de habitantes do país.

Os detalhes que descrevi acima, é claro, tive que buscar nos arquivos de memória digital, mas o fato ficou gravado na mente. E por que estou trazendo isso hoje, plena quinta-feira de cinzas, quando a vida está começando a tomar seu rumo depois da folia? Porque no carnaval tive a chance de conhecer dois chilenos bastante engajados nas questões sociais, políticas e ambientais de seu país. Sebastián Vielmas é historiador , ex- secretário-geral da Federação de Estudantes do Chile e Matias Schmidt Gubbins é cineasta, também trabalha na Federação.  Ambos com 25 anos, de mochila nas costas, vieram passar uma temporada aqui no Brasil e, no Rio, se hospedaram na casa de uma amiga minha. Na segunda-feira, antes de caírem na folia, reservaram um tempinho para conversar comigo.

Contei a eles sobre a pesquisa e perguntei se concordavam com o resultado. Minha ideia era tentar aproximar dados e realidade. Sebastian e Matias não conheciam o estudo e se espantaram.  A primeira ligação que fizeram quando ouviram a palavra sustentabilidade foi com o meio ambiente. E a poluição em Santiago, seguramente, não deixa ninguém  pensar a cidade como um lugar de preservação do meio ambiente. O caso lá é tão sério que há restrição na circulação de carros desde 95. Culpa dos carros e de tantos outros fatores, sim, mas a geografia da região ajuda: cercada pela Cordilheira dos Andes e outras cadeias montanhosas, a cidade tem poucas áreas que permitam diluir  essa poluição.

Mas foi Matias quem teve o estalo: possivelmente o estudo tem a ver com a postura das empresas, cada vez mais preocupadas em ter uma gestão responsável e cuidadosa com o meio ambiente, disse ele. Bingo!

—- O Chile só tem Ministério de Meio Ambiente há cerca de dois anos, mas as empresas estão agindo, fazendo estudos que possam diminuir o impacto que elas  causam. Acho que essa pesquisa que você leu deve ter levado isso em conta – disse Matias.

Por outro lado… o país  é produtor de matérias-primas, quase não tem indústria, mas  tem minério. Como se sabe, a mineração é uma atividade altamente impactante e é justamente na área mais desértica que as empresas se instalaram. Para extrair minério é preciso usar muita água, o que falta nessas regiões. E há um abuso de termoelétricas no país. Um cenário que se aproxima do de muitos outros países com tantos recursos naturais e que não se encaixa no perfil de um país sustentável.

Lá, como em tantos outros lugares do mundo hoje, a população começa a se manifestar. Matias e Sebastian contam a história da resistência popular, em 2012,  contra a intenção do brasileiro Eike Batista de construir uma usina termelétrica em Castilla, um território ocupado por pinguins.

—- Com a poluição causada pela termelétrica os bichos iam ter que mudar de território, muitos iam acabar morrendo. Pescadores e moradores foram para as ruas e a Corte de Apelações da província do Antofagasta (norte do Chile)  suspendeu a autorização – conta Sebastian.

Antes disso , em 2011, Sebastian tem um forte registro na memória da passeata que reuniu 200 mil pessoas nas rua de  Santiago contra a construção de uma hidrelétrica (a Hidroaysén) na Patagônia:

—- Há uma inquietude da juventude chilena contra projetos que impactam o meio ambiente, sim. Mas ainda não é um movimento de todos. Essa passeata envolvia muitas famílias, mas achamos que muita gente pode ter se mobilizado para defender suas próprias terras – disse ele.

Houve um candidato “verde” na campanha para a presidência do ano passado (Michelle Bachelet se reelegeu em dezembro), mas ele só teve 1 ou 2% dos votos, a maioria de estudantes e da classe mais abastada, com maior acesso a conhecimento. Tocamos no tema conhecimento e decidi perguntar sobre a educação no país. Não me surpreendi, a essa altura, quando disseram que a taxa de analfabetismo é bem baixa e que, depois da ditadura de Augusto Pinochet (1973 – 1988), o governo abriu vagas, encheu as universidades. Mas, hoje, estão questionando sobre a qualidade do ensino.

A conversa, então, gira em torno de índices, dados, pesquisas. Argumentou-se  que não é difícil acomodar números e porcentagens num determinado perfil. O índice habitacional do Chile, por exemplo, lembram-me, é muito bom. Mas…

—- Chega perto de um daqueles condomínios de moradias sociais para ver como são. É mesmo que uma favela.  Há muita coisa que se esconde por trás dos índices – disse Matias.

Um Estado nulo, falta de política de saúde para todos (é muito segregada), falta de assistência aos aposentados, transporte público de péssima qualidade:  tudo isso junto a  outras coisas anda estimulando os chilenos a  exercerem seu direito de ocupar as ruas para se manifestar. Os dois jovens mochileiros certamente estarão engrossando essas fileiras em algum momento.

Matias e Sebastian já pegaram o caminho de casa. São dois jovens que deixam nos interlocutores aquela boa sensação de que a civilização não estará tão mal se a humanidade seguir um caminho parecido, com a mesma capacidade , discernimento e potência.

Por aqui, vamos começando o ano de 2014 para valer. Como  diz um amigo meu, em tom de brincadeira, começa agora aquele período chato que vai do Carnaval ao Natal.  Mas este ano teremos dois eventos que ainda vão alterar bastante a rotina dos brasileiros: a Copa e as eleições. Fico na torcida, sinceramente, para que o futebol não se imponha como o acontecimento mais importante do ano, tirando dos brasileiros a chance de fazer contato com a realidade. O marketing, este bem e mal da nossa era, requer dos indivíduos olhos abertos, pés no chão, ouvidos atentos e muito conhecimento.

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